Monday, April 23, 2007

Lisboa: capital internacional da elite...LOL !

Caro João (fmSCP) e Mãe do Vinho,

Apreciei muito as vossas últimas postas e, por isso, não pude deixar de esboçar um comiserado sorriso (pelo menos achei graça à vossa continuada presunção de superioridade centralista e arejada mentalidade elitista...) !!! Alguns alfacinhas conseguem, na verdade, ser elitistas (pelo menos na lucidez com que vêem o mundo que os rodeia. Não, meus caros, não é (infelizmente) o vosso caso !
De facto, e porque existem alguns lisboetas que, malgré tout, conseguem evitar a estupidez fácil de quem se acha no centro do mundo, aqui fica o último artigo de um deles. Pode ser que vocês (do alto do vosso trono...) consigam compreender que o vosso mundo nobre e civilizado é apenas uma construcção existente e fabricada pela vossa doente e "provinciana"(sim, isso de que vocês amiúde nos acusam...) mentalidade !
Apreciem... abraço.

Pinto da Costa e a Metafísica Enquântica
O homem que fez mais do que dizia na lata
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
Devo ser dos poucos portugueses que têm uma opinião imparcial e até impoluta sobre Pinto da Costa. Posso jurar que nada sei acerca da Dona Carolina ou do Apito Dourado. Não foi fácil. Mas tal era a minha falta de vontade de saber que consegui evitar qualquer menção. É certo que perguntei uma vez ao meu amigo Manuel Serrão se ele era capaz de resumir os dois casos em duas frases. Tanto mais que resumiu – e muito bem. Até tive a sensação de ter compreendido. Mas, ainda não tinha acabado o almoço, já se me tinha outra vez escapado. Talvez tenha ajudado o facto de eu ser, em matéria de mulheres, almoçaradas e tropelias, bastante mais culpado do que Pinto da Costa.
Só em abusos de poder, já fui condenado quatro vezes; três das quais criminalmente. Julgado já não sei quantas. E quem sabe se a liberdade de imprensa não é mais poderosa do que a liberdade de presidência de um grande clube de futebol? Pois é: ao pé de mim, Pinto da Costa é um principiante.
Vem daí a minha empatia, simpatia e compaixão para com ele. Tudo por junto, é uma “compatia”. É uma pessoa que me é compática. Se fosse presidente do Benfica seria quase perfeito.
Gosto de pessoas de quem ou se gosta muito ou não se gosta nada, sendo sempre arbitrário o poder pender para um lado ou para o outro. E, tal como toda a gente que gosta de Pinto da Costa, desconfio que, no fundo, no fundo, por uma razão ou outra, toda a gente gosta dele.
Se Pinto da Costa tivesse sido presidente do Benfica – se Deus, enfim, não Se tivesse distraído naquele segundinho há 25 anos – seriam os portistas que o odiariam. E os sportinguistas, claro – esses odeiam-no sempre, em ambos os casos. (Só falo nesses dois porque, se Pinto da Costa fosse presidente do Sporting, haveria um suicídio colectivo e ¾ do país desaparecia.)
Na apreciação de Pinto da Costa há uma mania portuguesa que atinge a versão mais extremista. A mania é aquilo a que os psicólogos das Selecções do Readers’ Digest chamam, para despachar, o “separatismo dissociativo psico-fragmento-diferenciado.”
Consiste esta doença em separar um desgraçado em vários fragmentos, de maneira a poder ter uma opinião diferente acerca de cada um. A versão mais simples é “Como presidente do Futebol Clube do Porto, gosto muito de Pinto da Costa. Como pessoa, detesto.” Tem graça observar que esta opinião é muito mais frequente entre adeptos do Futebol Clube do Porto do que doutros clubes. A versão mais comum destes é: “Como pessoa, detesto – mas na boa; cada um é como é. Mas como presidente do FCP, se o apanhar na rua mato-o.”
No entanto, estas versões simples são raras. 25 anos são muitos anos, dando muito tempo para arranjar comos e enquantos diferentes: como cidadão; enquanto marido; como adepto; como amigo; como patrão; como gastrónomo; enquanto decorador; como estratega, enquanto homem do Norte; como seleccionador de jogadores ou enquanto seleccionador de mulheres: as variações são infinitas. Só uma opinião não existe: a que não foi muito bom para o Futebol Clube do Porto. Porque será?
Não interessa. Porque, seja qual fôr o malabarismo separativo, o mal é o mesmo. Einstein deu a física quântica ao mundo. Nós os portugueses contribuimos com a metafísica enquântica.
É como se nos puséssemos a opinar diferenciadamente acerca do coração, fígado, unhas e baço de Salazar ou o gato do vizinho ou um ser vivo qualquer. Não faz sentido nenhum gostar dele como detentor de uma bela barriga da perna mas não enquanto responsável por uma indolentíssima vesícula biliar.
Pinto da Costa, custe a quem custar, é só um. Nisso é como cada um de nós. É um pacote. É um sortido que já vem sortido de fábrica. Uma vez que se tire o celofane da lata de bolachas, já é tarde. Não se pode seleccionar atributos e tentar reagrupá-los para ficar só com os bons. Pode-se não gostar das bolachas de figo e daquelas que sabem a saco de aspirador – mas seria perverso escrever aos fabricantes e ameaçar nunca mais comprar o sortido de luxo se não forem imediatamente retiradas as bolachas de figo.
É isso que fazem os portugueses quando se pôem a avaliar o pacote Pinto da Costa. Os ingleses têm uma expressão que usam sempre que uma coisa corresponde às expectativas: “it does what it says on the tin”. E Pinto da Costa faz, indiscutivelmente, o que diz na lata. Com a distinção extraordinária do que estava escrito na lata ser uma coisa dificílima, tão difícil que mais nenhum dirigente desportivo o conseguiu: trazer e manter a maior glória de sempre ao clube de futebol a que preside.
A coisa que distingue os pacotes – os seres humanos – é que só aquela conjugação particular de qualidades e defeitos consegue alcançar o que alcança. Caso se retirasse um defeito a Pinto da Costa – o pior que tenha – o resto desmoronava. Ficaria melhor pessoa? Sem dúvida. Mas seria o Futebol Clube do Porto tão campeão e tantas vezes como o tem sido? Nem pensar. Porque só uma coisa resta saber: se aquilo que move os portugueses que dizem mal de Pinto da Costa é um desejo sincero que ele se torne um melhor ser humano. Ou não.
Mas voltemos à lata, que é o que interessa. Para saber o que o próprio Pinto da Costa tinha escrito no rótulo quando apresentou o seu sortido-de-luxo ao Futebol Clube do Porto, tive a lata de lhe mandar um SMS, a ver se lhe extraía umas palavrinhas. E não é que o sacana me telefonou? (Obviamente, digo “sakana” no sentido japonês, de “peixe graúdo”).
Passado um minuto, estava alegremente a conversar com ele. O homem é encantador mas, estando eu já encantado por ele há muito tempo, não me enganou. Limitei-me a confirmar: o que nele mais encanta é o sentido de humor e aquela teimosia monomaníaca que tem, magnífica, que faz as vontades todas às grandiosas ambições que tem para o clube que tanto ama. Por segundos até me esqueci de quanto o Benfica precisava dele.
Perguntei-lhe – com a originalidade que só se atinge depois de muitas décadas de jornalismo - qual tinha sido, para ele (para mim não) o momento mais feliz ao longo destes 25 anos.
Ele, muito à Pinto da Costa, respondeu: “Tem graça que ainda ontem me fizeram essa pergunta.” Teve esta delicadeza, como se não lhe tivessem já perguntado isto para cima de um milhar de vezes. Mas com aquela ironia quase oculta, com uma pontinha de condescendência defensiva, que é apreciada em todo o mundo pelos verdadeiros apreciadores.
De seguida revelou outra qualidade que admiro nele: a malandrice. Tornando-me instantaneamente cúmplice, acrescentou: “Mas foi para a revista do Futebol Clube do Porto, que só sai para o mês que vem.” Como quem diz: “Foste pouco original, meu macaco, mas tiveste sorte porque vais saír antes da outra entrevista.” Escusado será dizer que entrei logo no esquema.
“O meu coração”, disse Pinto da Costa com aquilo que afianço ser genuína humildade, “o meu coração não consegue decidir entre duas alegrias.” A frase não só é bonita como ganha em não ser a estafada citação francesa que surge sempre nestas ocasiões, mal pronunciada: “entre les deux mon coeur balance”. Pois o “coeur” de Pinto da Costa não balanceia entre “les deux” coisa nenhuma. É o coração que não se decide entre duas alegrias.
Ambas as alegrias têm a ver com o respeito que os ingleses têm por tudo o que “faça o que diz na lata”. Há 25 anos, Pinto da Costa prometeu duas coisas. Uma foi levar o Porto a uma final europeia. A outra foi fazer o rebaixamento do Estádio das Antas. Ambas eram muito difíceis. Para a maioria de quem o ouviu fazer estas promessas, pareciam impossíveis.
E a Pinto da Costa? “Sim, houve alturas em que pareciam, de facto, impossíveis. Há 25 anos eram até impensáveis…” “Mesmo o rebaixamento das Antas?”, pergunto eu por achar, dado os meus estudos em engenharia civil, que seria fácil. “Sim, sim…”, responde ele. Diz isto sem qualquer triunfalismo barato, do género “Disseram que era impossível mas eu sempre soube que não era”. Tanto mais que faz uma pausa e explica: “Parece um sonho…”
É escusado lembrar que o Futebol Clube do Porto foi um bocadinho além de jogar numa final europeia e que o Estádio das Antas não se ficou pelo rebaixamento, havendo até notícia de se ter construído outro estádio, inteiramente novo, dito “dos Dragões” ou qualquer coisa parecida.
Quando é que começou a parecer um sonho? Quando a realidade ultrapassou as promessas, ganhou velocidade e nunca mais parou. “Foi a partir da vitória em Viena, em 87...a minha promessa era estar numa final e, de repente, éramos campeões…”
Entusiasticamente, como um miúdo que acaba de saber, Pinto da Costa enumera as vezes em que o Futebol Clube do Porto foi finalista e campeão internacional: “Seis vezes finalista e cinco vezes campeão!” Segue-se um silêncio incrédulo, de adulto, como se ainda não fosse verdade. Mas logo regressa o miúdo ofegante: Ah… a Supertaça…a Supertaça foi uma alegria muito grande…”. E ouve-se na voz dele a surpresa deliciosa de quem revive tudo o que relembra.
Tem razão. E tem o direito de continuar a surpreender. Por muito sortido que seja e por muitos doces e amargos que contenha, Pinto da Costa há-de ter sempre esta glória: foi o homem que fez – e ainda vai fazer - mais do que dizia na lata. Muito mais.
Nem é preciso dar-lhe os parabéns. Ele já os tem. Arrancou-os das mãos de todos aqueles que os mereciam menos. Mais portugueses do que estrangeiros. Muito mais.
Também é obra! E por isso também lhe dou os parabéns.

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